Mesmo questionando nosso modelo “educacional”, que em
muitos pontos deixa muito a desejar, temos que assumi-lo como
fenômeno cultural da nossa sociedade. Nesse contexto, a categoria
“estudante” comporta muitas representações. Mas
distinguirei aqui somente dois arquétipos, a titulo de ilustração
didática. Há estudantes atentos, envolvidos, antenados, que
refletem, que enxergam para além da aula e que, muitas vezes
questionam e embaralham seus supostos “mestres”. Vemos também -
repito: “nesse exercício ilustrativo” - que também há o seu
antípoda: o estudante que não presta atenção, questiona sem
embasamento e visão do contexto, faz perguntas abrangentes,
equívocadas e descontextualizadas e, quando questionado de suas
“certezas”, tem um estilo raivoso, autoritário e afetado
emocionalmente, visando dar maior poder de intimidação a seus
argumentos; e, além disso, em sua maioria, são adeptos da gazeta,
ou seja, matam as aulas.
Esse último arquétipo parece ser o de pertencimento do estudante
Gabriel Tebaldi que, por coincidência, deve seu artigo publicado na
própria “A Gazeta”, a mãe espiritual de todos os gazeteiros.
Seu artigo se apossa de premissas incongruentes para chegar a
conclusões disparatadas, construindo uma argumentação densa em
superficialidade. Ele se arvora a comentar o conflito do Shopping
Vitória sem a mínima visão do mundo circundante, embasamento
histórico e percepção simbólica, construindo justificativas
frágeis e ideologicamente datadas.
A tese da “harmonia racial” no Brasil soa, para ser gentil
com o estudante, no mínimo ridícula a qualquer um que se esforce
pra olhar o mundo a sua volta, com honestidade perceptiva ou que,
pelo menos, tenha tido acesso a um desses livros didáticos de
História do Brasil do ensino fundamental. Mas aconselho - para uma
comprovação empírica da dinâmica racial do nosso país - que
basta, mesmo que distraidamemente, que tente perceber quem são os
alunos das escolas públicas e quem são os das particularidades;
qual a coloração hegemônica em nossas prisões; de que matiz são
os cerca de cento e sessenta jovens que morrem mensalmente em nosso
estado; se isso ainda não for suficiente, ou por demais trabalhoso,
basta consultar as estatísticas sócioeconômicas do IBGE e
verificará facilmente que a pobreza no Brasil tem origem e cor.
Ninguém em sã consciência pretende, por capricho neurastênico,
contruir um “discurso racista”, “opor grupos sociais”
ou “exaltar uma
cultura” em detrimento a outra - como afirma gazeteiramente o
estudante Gabriel – mas, o que se vê, o que se tem e o que se
combate é um modelo social maldito e nefasto que ainda assola nossa
sociedade, herança ainda dos três séculos de colonização
portuguesa, que desenvolveu uma economia de monocultura escravagista
- forjando um país com “unidade” territorial,
linguística e religiosa – e que deixou à deriva uma população
analfabeta, pobre e sem acesso a direitos sociais, políticos e cívis
básicos, composta esmagadoramente por negros e mestiços, que até
hoje se encontra à margem da riqueza produzida pelo país.
Não estamos querendo aqui, ingenuamente, nos apoderar de uma “eterna
vitimização”, como aponta o
estudante Gabriel, estamos constatando uma realidade social
perceptível a olho nu. Se isso fosse considerado meramente um
“racismo imaginário”
não teríamos promulgadas as leis federais, dentro do conjunto do
que se chama de “ações afirmativas”, obrigando por “lei”
(preste bem atenção: “obrigando por lei”)
o reconhecimento e a inserção (atenção de novo: “a inserção”)
da cultura negra nos currículos escolares; e, mesmo com a lei
instituída, ainda se nota uma enorme resistência para isso vir a se
tornar algo factível e visível nas escolas, por conta evidentemente
da ideologia cultural enraizada hegemonicamente.
O movimento do funk, que hoje é amplamente criminalizado da mesma forma que o samba já foi um dia, se constitui como uma expressão cultural das periferias negras excluídas; marginalizadas socialmente e abandonadas pelo Estado, sem aparelhos culturais ou espaços públicos para desenvolver sua dimensão simbólica afetiva - ou apenas para se divertir - elas construíram seu modo próprio de expressão para se tornarem humanamente visíveis, o que inevitavelmente se tornou fator de confronto com a parcela dominante e reguladora da sociedade.
O movimento do funk, que hoje é amplamente criminalizado da mesma forma que o samba já foi um dia, se constitui como uma expressão cultural das periferias negras excluídas; marginalizadas socialmente e abandonadas pelo Estado, sem aparelhos culturais ou espaços públicos para desenvolver sua dimensão simbólica afetiva - ou apenas para se divertir - elas construíram seu modo próprio de expressão para se tornarem humanamente visíveis, o que inevitavelmente se tornou fator de confronto com a parcela dominante e reguladora da sociedade.
Para terminar verificamos, a partir
do acontecido no Shopping Vitória, que existe uma
“dificuldade” extrema
para se identificar quem são os negros para ingressar no ensino
superior e se aceitar o sistema de cotas e, paradoxalmente, uma
facilidade também extremada
para se identificar supostos infratores no meio de uma multidão, perfilá-los e expô-los à
execração pública.
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