No ensaio “O
Existencialismo é um Humanismo” o filósofo Jean-Paul Sartre busca
esclarecer e fazer uma defesa - enfatizando seus principais pressupostos - de sua proposta
existencialista exposta na obra “O Ser e
o Nada”, que foi duramente
atacada tanto pela ortodoxia cristã, como pelo fundamentalismo ateu-marxista.
Os cristãos o acusam de - ao negar a essência divina como fundante do humano –
promover uma visão gratuita, sórdida e angustiada da vida, esquecendo das
belezas do viver, ou, em suas palavras, abandonando “o sorriso da criança”. Já os marxistas indicam que Sartre propõe
uma espécie de “imobilismo do desespero”,
onde o fechamento das possibilidades da ação solidária consolidaria uma
filosofia de caráter contemplativo, de fundo burguês. Os dois lados, segundo
Sartre, partilham da certeza de que o Existencialismo, por ter sido gerado
tendo como base o subjetivismo Cartesiano, promove o isolacionismo humano, se
configurando então como uma doutrina sem ética e que promoveria a anarquia. É
na tentativa principal de demonstrar a dimensão moral e humanista de sua teoria
que Sartre escreve “O Existencialismo é
um Humanismo”.
Fundado na concepção de que “a existência precede a essência”, a proposta sartreana coloca o
homem como único responsável e construtor de seu projeto de vida; o homem não "é" - não tem uma essência fundante - o homem é sempre um "vir-a-ser". Sartre
estabelece ainda que se faz necessário uma distinção entre o que ele chama de “existencialismo cristão” – representado
por Karl Jaspers e Gabriel Marcel - e a linha ateia da qual ele e Heidegguer seriam
legítimos representantes, apesar do próprio Heidegguer recusar essa distinção. O existencialismo cristão apesar de comungar da
máxima de sua doutrina, estabelece que o homem tende para Deus. Já o seu modelo
ateu diz que não há uma essência divina que funde o homem, estando ele então
obrigado a “existir”, isto é, lançar-se, projetar-se, fazer-se, ou
seja, inventar sua própria dimensão de vida, fundada na possibilidade da
liberdade e da escolha. Sartre assinala que o iluminismo – principalmente
através de Diderot, Voltaire e mesmo de Kant – já havia abolido a concepção de
uma natureza divina no homem, mas não excluíram a condição de uma “natureza humana universal”; esta visão
determina que haveria uma essência universal que fundamentaria a priori
qualquer ser humano, independentemente de sua cultura, história ou condição
social. Para Sartre essa é uma ideia errônea que deve ser eliminada para que o
homem se reconheça como seu próprio criador. É a radicalidade da inexistência
de qualquer conceito ou modelo que pré-determine o humano que faz com que
Sartre exalte a originalidade e a coerência de sua filosofia.
Para Sartre, como não há uma natureza que fundamente o
homem, seria ele o único responsável pelo que vier a ser, sendo função do
existencialismo colocá-lo diante de sua responsabilidade. Aos críticos à filiação
subjetivista cartesiana do existencialismo, Sartre responde que o termo
“subjetivismo” pode ser interpretado como “escolha
do sujeito individual por si próprio” (tendo por isso um caráter
individualista) e, por outro lado, “impossibilidade
de transpor os limites da subjetividade humana”. Esta segunda concepção de
subjetivismo tira o homem de uma escolha pessoal pura e simples, obrigando-o -
em seu movimento de escolha - a ter como referência o “outro”. No meu ato de escolha, estou escolhendo não somente o meu
projeto de "existir", mas também o de toda a humanidade; é a partir do
reconhecimento desse projeto pelo "outro" é que o meu projeto ganha dignidade.
Sem isso é impossível fazê-lo. É nesse
segundo sentido que Sartre afirma que está fincada sua noção de subjetividade,
sendo totalmente diferente das propostas do "cogito
cartesiano" e do sujeito transcendental kantiano. Os conceitos de angústia,
desamparo e desespero são fundamentais dentro do existencialismo, por isso é
indispensável compreender como eles são aqui fundamentados.
A angústia para o existencialismo - diferente da significação emocionalmente
estabelecida - não é tida como um sentimento imobilista
e pietista: aqui ela é determinante do engajamento e da escolha. Sentimo-nos
obrigatoriamente angustiados quando, diante das possibilidades postas, temos
que operar nossas escolhas, pois, ao nos engajarmos, temos que ter consciência que
escolhemos não apenas por nós, mas por toda a humanidade; em função disso, não temos como
escapar da condição de responsabilidade que envolve esse ato. Aquele que finge,
que esconde sua ansiedade, que “dá com os ombros”, que diz que "tanto faz",
estará fugindo de sua responsabilidade e agindo, segundo Sartre, com má-fé.
O desamparo no existencialismo – fundamentado a partir das concepções de
Heidegguer - está identificado com a afirmação de que não temos Deus ou uma
natureza humana universal que nos determine; isto implica que, ao empreendermos
a escolha, não temos nada para nos agarrarmos dentro ou fora de nós, ou seja, “estamos sós, sem desculpas” e condenados
a nos inventar, a sempre escolher a partir de nós, é isso que constitui o
desamparo do homem. Para o existencialismo mesmo quando escolhemos “não escolher”, ou seja, ser indiferente, estamos também escolhendo. Já a noção de desespero se instaura no existencialismo
a partir dos limites e possibilidades que cercam nossas escolhas. O desespero
advém do fato que somos limitados pelo nosso ser-no-mundo, por condições
universais impostas por nossa humanidade (conviver com os outros, trabalhar,
ser mortal, etc). Através do desespero vemos que podemos escolher algo, mas não
posso ter a esperança ou ilusão de que posso contar com os outros, pois todos
são livres para empreender suas próprias escolhas. Não existem garantias que,
por exemplo, numa ação conjunta com outras pessoas, eles mantenham as escolhas
feitas. Sartre nos alerta para não confundirmos no homem o que temos como “condição universal” com “essência universal”. Está última, como
já foi dito anteriormente, é impossível para o existencialismo.
Desta forma temos, segundo Sartre, que a moral no
existencialismo assemelha-se a uma criação artística, pois sempre é um processo
de escolha, criação e invenção. Assim como não se pode estabelecer valores
estéticos a priori para o artista, em seu processo original de criação, também
no aspecto da moral existencialista ocorre o mesmo. Nas duas ações estão
presentes a criação e a invenção. O humanismo no existencialismo não é um ideal
de excelência e superioridade do homem, centrada unicamente no cogito. Aqui ele
se produz dialeticamente através da subjetividade (como reconhecimento do homem
no mundo) e da transcendência (no sentido de criação e superação). A
característica do humanismo existencialista descrito por Sartre é o da projeção
do homem para fora de si: projetando-se e perdendo-se, ou seja, criando e se
inventando sem predeterminações, escolhendo a si e a humanidade.
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