É Natal.
Tudo normal.
Olhamos a nossa falta e
vemos o flagelo.
Novidade obscura de
tantos outras alienações
que acontecem todo dia
a nossa volta.
Mas todo final de ano é
normal.
Temos o Natal.
Veremos os corpos
expostos na televisão.
Beberemos a dor oculta
da desigualdade.
Seremos eternos
cúmplices dos hipócritas.
Durante o resto do ano
trabalharemos, rezaremos,
pediremos a Deus misericórdia, concórdia e uma
Paz utópica que só
existe no jingle forjado de final de ano.
Mas é Natal.
Tudo tem que ser
Normal.
As pessoas estão à
deriva em suas casas,
em seus sonhos, em suas
crenças, em sua fome,
em sua sede de harmonia
e prosperidade.
Afinal vivemos e militamos no Estado do Espírito Santo;
somos Santos por
natureza e leveza de Estado de Espírito.
Todos nos olham, todos
sempre nos olharam,
todos sempre nos
veneraram.
Deus (Ah! O bom Deus!)
sempre nos protegeu.
E, afinal de contas, é
Natal.
Tudo deveria ser
normal.
Aqui não existe
fatalidade,
somente Natalidade.
A hipocrisia ronda
nossas cabeças em um frágil
Estado de Emergência,
que não admite um
Estado de Calamidade.
Calamidade Pública.
Calamidade Estética.
Calamidade Mórbida.
Calamidade Ética.
Estamos à merce do
descaso,
da disfarçatez, da
desordem oficial,
da mentira de Estado.
Mas por que se
preocupar?
Estamos no Natal!
Tudo voltará ao
Normal.
Quando as águas
passarem,
tudo parecerá apenas
que foi
um simples pesadelo,
um desastre natural,
um desastre natural,
um infortúnio banal.
Tudo será como sempre
foi:
feliz, harmônico,
omisso e obediente.
Eles dirão que somos
um Estado Maior,
um Estado Imbatível,
um Estado Inabalável,
uma Estado Inatingível,
um Estado Insofrível;
aqui não temos
desmoronamentos
(Nem físicos, nem
existenciais).
A dor será esquecida,
a lágrima será esquecida,
a lama será esquecida,
a morte será esquecida,
a farsa será
esquecida, a omissão será esquecida.
O que não podemos
esquecer nunca
(e o que é
fundamental)
é que estamos no
Natal!
Comentários