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Cultura no ES: os cães em frente à Padaria

A visão de cultura da maioria dos gestores públicos no ES, começando pela Secretaria do Estado, é o que há de mais retrógrado, fisiológico e reacionário; é aquela percepção arcaica e coronelista de ajudar os "amiguinhos" em detrimento à construção de Políticas Públicas para a Cultura. Vide o problema com o Plano Municipal de Cultura de Vitória, que depois de quase dois anos de discussões com todos os setores afins, continua emperrada e travada, com o Prefeito tendo feito modificações bizarras que mutilaram e descaracterizam totalmente o Plano, que tem uma perspectiva avançada e transformadora social, em sintonia com as diretrizes do Sistema Nacional de Cultura (SNC), implantado em 2008, mas, que até hoje, a Capital do Estado não se interligou, perdendo verbas e diversas ações proporcionadas pela adesão ao SNC. 

Nos municípios do interior do Estado então, o descaso e a incompetência seletiva são ainda mais contundentes. Só pra citar, como exemplo, municípios importantes como Colatina, Linhares e São Mateus não possuem até hoje Conselho de Cultura, Plano Municipal e Edital de Fomento ou Lei Municipal, exigências básicas para se constituir políticas e projetos culturais a longo prazo, com efetividade e respeito às necessidades da população. O fato, que a ignorância endêmica dos gestores públicos não enxerga (ou não quer enxergar), é que construção de políticas públicas para a Cultura são transversais e indissociáveis das dimensões educacionais, econômicas e simbólicas de um povo, que vemos visivelmente degeneradas em nosso Estado. Os índices assustadores de assassinatos de jovens e a violência generalizada nas comunidades (denominadas de "aglomerados" pelo Estado em suas campanhas) explicitam bem essa realidade. No âmbito Estadual é a mesma coisa: discutimos o Plano e a Lei Estadual do ICMS (na região Sudeste o ES é o único Estado que não tem esses mecanismos efetivados) há mais de 3 anos e está "travado" na PGE (Procuradoria Geral do Estado) até hoje. Venho pedindo reiteradamente no Conselho Estadual de Cultura (CEC) para colocar esses assuntos em pauta e, sorrateira e desrespeitosamente, o Secretário Estadual de Cultura ignora nossa solicitação.
 
Essa é a nossa realidade atrasada, equivocada, personalista, arrogante e coronelista. O problema é que a maioria dos nossos artistas não tem coragem para se "indispor" e cobrar seus direitos com o poder instituído; são os que vivem das migalhas e dos favores pessoais; esses só são "indignados" fora dos corredores das secretarias de Cultura. Existe uma outra parcela que é desinformada mesmo e não tem a mínima noção dos direitos e da obrigação do Estado em efetivar políticas para cultura que fomentem a produção e possibilitem o acesso amplo aos recursos públicos para Produção Cultural.

Enquanto isso a ruína simbólica, afetiva e criativa desmorona sobre nossas “inocentes" cabeças e vamos sendo lentamente – com requintes de crueldade – soterrados em nossas perspectivas de transcendência humana por meio da expressão cultural. É a política do "Cinismo de Estado" instituída. A palavra cinismo (que vem do grego “kynós”, cães) significa originariamente “aqueles que vivem como os cães”. Quando tempo será, então, que continuaremos passivamente sentados diante da assadeira da “Padaria Cultural” do Espírito Santo?



 

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