A morte brutal de Claudia Silva Ferreira nos arrasta para a cova rasa da mediocridade humana e da incapacidade política de resolvermos nossas mazelas sociais. Não foram apenas aqueles dois policiais que arrastaram Claudia cruelmente para a morte: foi todo um conjunto simbólico, social e político – consolidado historicamente com pedagogia e métodos elaborados - que determinou seu extermínio. O que a espetacularidade e a crueldade visível do fato desvela agora é que, neste país, quem nasce pobre e negro já se encontra no corredor da morte. É a gênese que ainda vigora na pseudodemocracia racial brasileira.
Como o de Claudia Silva Ferreira acontece - silenciosa e sorrateiramente - o extermínio de muitos outros brasileiros pobres e negros. Diariamente, comumente, cotidianamente, insistentemente, acintosamente, impunemente. O problema é que não percebemos. O problema é que este genocídio é transformado em números. O problema é que – como bem sabemos - números não tem nome nem face. Desta forma, estrategicamente, se constrói um simulacro ideológico com o objetivo de dissimular as muitas mortes de mulheres, negros e pobres, que acontecem todos os dias pelo país. Mortes escondidas; mortes programadas; mortes racionalizadas; mortes instrumentalizadas pela estrutura social excludente, elitista e segregadora que ainda vigora hegemonicamente no Brasil; mortes “severinas”, que o poeta nos mostrou há algum tempo, mas que continuam a fazer parte do nosso cotidiano; mortes que, por serem tão maquinalmente engendradas e maquiadas, reduzem ainda mais nossa já ínfima capacidade de percepção e indignação diante dos fatos.
Sabemos agora que a mulher negra - arrastada e morta pelas vias públicas do Rio de Janeiro com monstruoso requinte de selvageria - chama-se Claudia Silva Ferreira. Descobrimos, ainda que tardiamente, que ela tinha nome, sobrenome, endereço, CPF, identidade, título de eleitor e vida existencial afetiva; deveria, então, ser tratada como uma cidadã brasileira. Mas teve uma existência de direitos negados, de luta contra a miséria, de invisibilidade social, de humilhações e privações, sem possibilidades de sonhos e transcendência humana. Existência que, assim como a de muitos como ela, teve sempre como algoz a “grande mídia” capitalista, que sempre combate ferozmente todas as políticas e ações afirmativas que buscam reparar ou compensar a desigualdade e a exclusão social neste país. É essa mesma “grande mídia” que tenta agora explorar rasteiramente o asco emocional coletivo, que carrega o acontecimento, sem apontar para o seu enraizamento cultural, social e político; como foi sempre habitual dela.
A via crucis de Claudia não vem de agora. Ela já vinha sendo arrastada e mutilada desde o seu nascimento. Assistimos apenas o seu final. Talvez, a partir do cenário trágico em que se findou sua existência, Claudia se transforme em essência simbólica. Em sua raiz etimológica “símbolo” é “aquilo que aponta para algum lugar”. Para onde nos aponta Claudia Silva Ferreira?
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