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Modelo de carta de renúncia para pessoas dignas

Senhores Diretores,

A título de introdução peço licença para expor algumas considerações, como tentativa de possibilitar alguma reflexão e entendimento. Quando se reúne em torno de desejos e ideias, instituindo-se um grupo, está se configurando um “encontro”. Todo encontro pressupõe uma ética, ou seja, um reconhecer e dar dignidade ao “outro” que se configura – no meu modo de ver - de três formas: interesse, escuta e cuidado. Toda ética exige para sua fundamentação, uma compreensão prévia para que se possa instituir uma práxis voltada para o bem comum, ou seja, para dignificação do homem naquilo que reflete mais radicalmente o que chamamos de humanidade, que se constitui a partir das suas possibilidades de escolha e significação de mundo. Daí temos “inclusão” não como dádiva, esmola, doação ou caridade, mas como abertura de possibilidade da liberdade humana, do cidadão autonomamente poder determinar - na diversidade que o constitui culturalmente – suas escolhas com condições dignas de vida.

Os que se agrupam num projeto tendo a palavra “inclusão” como base e meta, não podem deixar de exercê-la entre eles, pois assim estariam fomentando o disparate e a hipocrisia, pois propõe algo somente como idéia flutuante e conveniente. É claro que não se trata aqui de propagar uma visão ufanista e neurótica, não reconhecendo como legítima a possibilidade de mudança e de “vir-a-ser” do homem. Do direito que tem toda pessoa de modificar suas significações e escolhas no mundo. Uma escolha nunca pode ser dada como definitiva assim como um homem nunca pode ser tido como acabado. Mas quando se assume algo e se instituí esse algo num conjunto de conceitos e práticas, será de bom e razoável grado que se tenha responsabilidade sobre esse fato, sob pena das relações tornarem-se vazias e os envolvidos distinguidos entre manipuladores e manipulados.

A relação de poder é inerente a todo agrupamento humano. As tensões, conflitos, diferenças e contradições são elementos que sempre acompanham esse fenômeno. O problema reside na sua hipertrofia. Já temos como domínio público “que a hipertrofia de um lado, atrofia o todo”. A responsabilidade de quem tem o poder é maior e mais exigente, pois ele carrega a força do mando que pode esmagar os outros e a si próprio. Quem assume e detém o poder tem como condição e obrigação, ouvir o que podemos designar de “voz de mando”, que seria uma instância de inteligibilidade que suplanta a cegueira individualista e indica as condições de convivência e sobrevivência de um grupo. É essa instância que permite o revigoramento, o fluxo contínuo da energia originária que dinamiza o movimento e que levou a união de pessoas em torno de algo em comum.

Sem escutar “a voz de mando”, temos o tirano, o absoluto, o orgulhoso. Este vê o mundo sempre de cima para baixo. Somente o que se apresenta “de baixo para cima “ é reconhecido como legítimo. Quando alguém se atreve a se colocar rigorosamente de “igual pra igual” com ele, podemos ter os seguintes resultados: a) ele não perceberá a pessoa; b) ele não perceberá a atitude e, finalmente, c) ele não compreenderá o que está acontecendo.

O espaço de percepção do orgulhoso tem o seguinte esquema: “terço de cima”, “terço de baixo” e, no meio, NADA. Na sua cegueira relacional, o orgulhoso não exercita o destaque do seu horizonte de compreensão e não percebe o mal que está fazendo. Temos uma situação que – como disse Guimarães Rosa - “querer o bem com demasiada força e de certo jeito, pode se transformar num mal”. Por isso não podemos deixar de zelar pela escuta, pelo interesse e pelo cuidado.

Venho então comunicar que RENUNCIO ao meu cargo e solicito ainda meu desligamento total desta conceituada entidade.

Sem mais para o momento, despeço-me.

Comentários

Leonardo Machado disse…
bicho, essa carta ficou invejável, assim como toda sua atitude nela descrita.
Admiro muito sua posição nessa situação.
Vivendo e aprendendo com os velhos, auheaieuheiheuea
abraço
F.C Produções disse…
Parabéns...
Nunca lí algo tão inteligente e explicativo sobre pessoas más e suas idéias erradas sobre poder!!!
Adorei
Bottero disse…
Sr. Fraga, estava a procura de uma carta de renuncia a altura, e espero que possa conceder-me tais palavras sobre abuso de poder. como diriam: faço minhas as sua palavras! Posso usá-las? Espero retorno.

Fabiano Botero
Fraga Ferri disse…
Saudações Bottero;
Libero sim a citação, fique a vontade e obrigado pela visita e comentário.
Gde abço.
Sr. Fraga estava procurando uma carta de renuncia na qual achei no seu blog e muito interessante , espero que possa me conceder-me tais trechos de suas palavras.Posso usá-las? Aguardo retorno.
Fraga Ferri disse…
Mandela,
Fique à vontade para utilizar meu texto, desde que cite a fonte de referência e encaminhe uma cópia do texto para apreciação.
Grande abraço e obrigado pela visita.
Fraga Ferri.
Anônimo disse…
Estava aprocura de uma carta de renuncia,que fosse também reflexiva.Gostaria de usar suas sábias palavras para também renunicar ao meu cargo.Aguardo sua resposta
Fraga Ferri disse…
Fique a vontade; este texto foi posto aqui para compartilhar um espírito ético, quem tá com essa disposição faz parte desse um tipo de grupo de resistência.
Gde abço.
amigo, sou professor e presidente do conselho escolar da escola colônia do Fidélis e estou sofrendo assédio moral do diretor da escola, gostaria muito de poder usar sua carta de renuncia, para poder expressar toda minha indignação perante tal abuso, um abraço.
Fraga Ferri disse…
Tranquilo, Raimundo; tá autorizado sim. Gde abraço e cabeça erguida sempre; a dignidade não eles não podem nos tirar.
gilmar disse…
sr.fraga meu nome e gilmar. um sinples pescador presidente de uma associação de pesca mais onesto gostaria de lipedir para usar sua carta pois ela fala de tudo que gostaria de falar para os tubaroes famintos que se esconde em peli de homes gananciosos. desdeja obrigado.
Fraga Ferri disse…
Fique a vontade Gilmar; a luta é essa; Abços.
Claudia Rangel disse…
Sou sua fã! Falou tudo com palavras precisas.

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