Chegamos ao tempo dos afetos pasteurizados.
Acasos sonsos, omissos casos, descasos parcos,
transações tristes, afagos fáceis, favoráveis,
indiferentes, liquidados a perder de vista.
Qualquer gesto será desmitificado,
desqualificado, massificado enquanto tal;
sem qualquer conotação verbal,
apenas imediato contato casual.
É mesmo necessário evitar-se a fala,
nenhum sentido expresso,
nenhum excesso de sentimento,
nenhum impresso pertencimento.
Falemos pouco,
(ou quase nada mesmo)
sejamos lacônicos,
patéticos, distraídos,
risonhos, fofos, risíveis...
É mesmo necessário,
(praticamente um imperativo ético)
pasteurizar o riso,
articulá-lo em seu vazio pleno,
mumificá-lo em sua dimensão tetânica.
Não há motivos para buscarmos profundidade
em nossos encontros;
já estamos vastos de nós mesmos,
autossuficientes, autossustentáveis,
autodeterminados, autocontrolados.
Temos um império insípido e hipertrofiado
dentro das nossas pequenas cabeças:
por que haveríamos de perder tempo
em perceber o outro?
Usaremos os poemas apenas como adorno,
enfeite descartável, capa protetora;
talvez até tatuaremos os versos em nossos corpos,
mas apenas pelo estético apelo dos seus traços.
Não há necessidade de entender, receber,
acolher o gesto primeiro, o sentido da busca,
o olhar trocado, o afeto estendido.
Tudo será racionalmente comprimido
e evidentemente
(num curto espaço de tempo),
esquecido...
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