Pular para o conteúdo principal

Sobre a opacidade de dormir ao lado


No dormir do lado
- mesmo que se acredite nascidos um para o outro -
há muito o que se pensar;
principalmente quando
- antes de se refletir -
não se consegue sentir,
perceber,  notar,
compartilhar o lado do outro.

O lado de fora pode ser denso,
espesso, quase inviolável.
O lado de dentro neutro, inacessível,
quase indecifrável.

Os dois se contradizem e combatem
na indelével opacidade da vida;
às vezes se encontram na insone sedução,
às vezes se devoram na insana distração,
por vezes se perdem na dificuldade de vir-a-ser,
pois o outro torna-se, sartreanamente,
no inferno que dorme ao lado.

Mas isso tudo não é lógica,
precisão cientifica,
contagem regressiva,
mas sim, 
(como tudo que se refere ao humano)
possibilidade,  envolvimento (inter-esse), 
disposição...

Depende da força de ser e de se posicionar
um para o outro,
depende de como se vive e se apreende
significativamente o momento,
de como um consegue ver o lado do outro,
em sua aparente neutralidade,
em sua incandescente diversidade,
 em sua envolvente fragilidade.

Há também, 
nesse jogo,
 a possibilidade de se virar de lado,
de ocupar o espaço do outro,
de se ver no escuro
(mesmo com a escassa luz)
de destravar a cama,
de fazer da vida uma dança
onde o outro
- ao se revelar por inteiro -
não seja apenas o par que, 
indiferentemente,
conduz.

Mas para isso há 
que se aprender a dançar, deixar de ficar 
- assim como se conta os passos -
a contar as horas...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Angústia, Desespero e Desamparo no Existencialismo de Sartre

No ensaio “O Existencialismo é um Humanismo ” o filósofo Jean-Paul Sartre busca esclarecer e  fazer uma defesa - enfatizando seus principais pressupostos - de sua proposta existencialista exposta na obra “ O Ser e o Nada ”, que foi duramente atacada tanto pela ortodoxia cristã, como pelo fundamentalismo ateu-marxista. Os cristãos o acusam de - ao negar a essência divina como fundante do humano – promover uma visão gratuita, sórdida e angustiada da vida, esquecendo das belezas do viver, ou, em suas palavras, abandonando “o sorriso da criança”. Já os marxistas indicam que Sartre propõe uma espécie de “imobilismo do desespero” , onde o fechamento das possibilidades da ação solidária consolidaria uma filosofia de caráter contemplativo, de fundo burguês. Os dois lados, segundo Sartre, partilham da certeza de que o Existencialismo, por ter sido gerado tendo como base o subjetivismo Cartesiano, promove o isolacionismo humano, se configurando então como uma doutrina sem ética e que promoveria

Berimbau 2 x O Acadêmico

Em maio último Antonio Dantas, coordenador do curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ao tentar justificar o baixo conceito alcançado no ENADE, afirmou que isto é devido “ao baiano tem baixo Q.I”. Afirmou ainda categoricamente que “o berimbau é um instrumento prá quem tem poucos neurônios , pois possui somente uma corda .” A retórica empolada e cientificista de Dantas é um recurso largamente utilizado em nossos dias para justificar e explicar fatos e fenômenos em geral; e por força ideológica e midiática, ganha comumente contorno de verdade absoluta e inquestionável. A fala do Dr. Coordenador revela um ranço de pureza étnica vigente em nossa “elite”, que ainda determina os rumos do país e mantém firme nosso aviltante quadro de desigualdade e segregação social. O “especialista” é o maior porta voz e defensor da estrutura dominante. Mas o que mais pode estar na raiz desse discurso? Para tentar entender um pouco mais claramente essa questão, deixaremos de lado

O conceito de "aura" em Walter Benjamim

Nos escritos de  “ Pequena História da Fotografia” e “ A obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica ” Walter Benjamim define que a dimensão “ aurática” de um objeto seria reconhecida pela singularidade de sua aparição, isto é, pelo seu caráter único, perpassado por determinações relativas ao espaço e a temporalidade em que está inserido. Independente da proximidade física com o objeto ou obra de arte, teria-se uma espécie de distância ontológica conceitual determinada por uma propriedade de culto e magia na qual estaria envolto.  Para Benjamim o fenômeno da aura estaria primordialmente ligado ao caráter de unicidade e autenticidade da obra. Fazendo o que poderíamos chamar de uma “ genealogia da aura ”, Benjamim constata que existe um momento primeiro que estabelece o surgimento da aura no contexto cultural da humanidade: ela seria contemporânea da utilização da obra de arte nos rituais religiosos.  Temos nessa dimensão que o objeto ou obra utilizada ritualisti