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O que nos ensinam os Brincantes?


(Texto Concebido para a Mostra Fotográfica comemorativa dos 10 anos do Projeto Entre Comunidades - PROEX/UFES)


Contrapondo-se à dinâmica objetivista - do pensamento de sobrevoo ditado pelas pesquisas - o Projeto Entre Comunidades busca interagir, ser perpassado pelas dimensões humanas do fazer coletivo e, a partir desse entrelaçamento constitutivo, desenvolver e promover ações de Empoderamento e Reconhecimento. O que veremos nesta exposição fotográfica comemorativa de 10 anos do Projeto - trazidas por esse movimento de compartilhamento recíproco - são imagens de dimensões simbólicas sagradas, de pessoas que resistem e lutam para defender e expressar sua humanidade, mesmo diante da monstruosidade pasteurizadora da cultura midiática e, na maioria das vezes, da indiferença e do descaso oficial.

As heranças culturais aqui captadas identificam, em sua diversidade, o modo de ser dos capixabas; os gestos, olhares, ritmos, suores e cores são elementos de linguagem, de visões de mundo, de presentificação do humano, de consagração da vida e de afirmação de valores éticos; pela riqueza significativa, importância histórica e dimensão autoafirmativa dessas comunidades, transcendem  para além da perspectiva estética e constituem em vigorosas expressões de uma luta política: busca constante do humano por demarcação e reafirmação do seu espaço e tempo significativo. A Cultura Popular, ao contrário do que determina a ideologia dominante,  não é o eco de um passado em ruínas; pois, na verdade, a ruína para o homem é não lutar por ser o que é, é ter vergonha de sua história, é perder seu modo de ser, é se desvincular de suas raízes culturais. É também isso que, de modo criativo e  inventivo, a pedagogia corpórea desses homens brincantes vêm nos ensinar. Aquele que porta um tambor, uma casaca, um pandeiro, que dança, que entoa cânticos, que prepara sua roupa colorida e que em seu brincar sagrado humanamente se realiza, ensina muito mais de ética que em toda as teorias vigentes. Aqui vemos explicitado o que radicalmente fundamenta a ética: zelo, respeito, compromisso, responsabilidade.

A lembrança dos antepassados, a história de vida da ocupação coletiva simbólica, não está sendo perdida, não está sendo esquecida, não está saindo da memória. Por isso a necessidade extrema de se “co-memorar”: fazer/refazer memória; por isso a necessidade extrema de se brincar e festejar; por isso a necessidade extrema de se consagrar a vida e seus valores significativos; por isso a necessidade extrema de ser respeitado, não por algum sentimento de dádiva ou filantropia, mas porque esses brincantes - além de nos manter vivos enquanto coletividade histórica - nos ensinam o que é, em sua máxima expressão e aparecimento, o fenômeno de “Ser Humano”.




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