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A fragmentação político-partidária e a formação dos governos no Brasil

A análise conjuntural do processo político-partidário brasileiro, tendo como base o período pós regime militar, aponta para um visível crescimento da fragmentação partidária, com o surgimento de várias siglas que vão se agrupar em torno de interesses espúrios, desconectados do que direciona a práxis política, determinados pela busca de cargos e verbas públicas.

Na eleição indireta de Tancredo Neves e - com sua morte - o consequente governo José Sarney, ainda não se delineou explicitamente o arranjo institucional e a dinâmica de multiplicação de partidos que vemos hoje; isso deu-se muito em virtude de ainda vigorar no imaginário político da época a polarização “ditadura x democracia”, que se convertia no fantasma do medo do retrocesso, que parecia ainda rondar a incipiente democracia brasileira que, mesmo ainda de modo cambaleante, estava sendo nesse momento retomada e restabelecida. Posteriormente, sobretudo a partir dos anos 90, esse imaginário de terror e medo do retorno aos “anos de chumbo” dá lugar a polarização entre “situação x oposição”, que vai de certa forma determinar a ação do executivo em função da criação e manutenção de uma base de apoio. Essa nova configuração vai diluindo paulatinamente o antagonismo ideológico “esquerda x direita” - que marcou o período ditatorial militar - trazendo o debate para a seara econômica, tendo como mote principal a estabilidade da moeda. A tortura aqui passa a ser o convívio com a hiperinflação.

Devido as construções culturais históricas da sociedade brasileira, vemos que, apesar da aparente estabilidade e desenvolvimento do nosso sistema político-partidário, o “personalismo presidencial”, de modo hegemônico, ainda comanda o imaginário popular; isso vai se configurando e constituindo politicamente durante o processo eleitoral com o agrupamento de siglas em torno de um “nome forte”, alguém que encarne a simpatia e a figura alentadora e salvadora do povo. Vimos esse fenômeno exemplarmente explicitado no envernizamento estético e no amaciamento retórico ocorrido com o então candidato Luis Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002, executado através de uma eficiente campanha de marketing, fato determinante para que finalmente ele viesse a ser eleito, em virtude de sua figura, até então, não ser "simpática" ao padrão ideologicamente constituído. Não faremos aqui uma análise da distinção existente entre os governos Lula e FHC  (que existe sem sombra de dúvidas em muitos pontos, sobre tudo no direcionamento social), pois o foco deste artigo é a similaridade em termos da configuração fragmentária do multipartidarismo que se instituiu no Brasil.

O “apoio”, angariado durante o processo eleitoral, implica numa complexa engenharia partidária que se ramifica em acordos, acertos e, mais tarde, em concessões de verbas e cargos, de diversos modos. Desta forma, mesmo com todo a centralização e hipertrofia do poder delegado ao chefe do executivo, o modelo presidencialista brasileiro exige a formação inexorável de uma base parlamentar de sustentação – a chamada “base governista” - para se construir o que se tem como dinâmica de governabilidade. A efetivação de uma maioria de apoio parlamentar, que se configura como um “comando do Congresso”, torna-se tarefa primeira do Presidente, sob pena de inviabilizar seu projeto de governo.

Assistimos nos últimos anos a uma proliferação de partidos sem muita “consistência ideológica”, mas com muita “insistência fisiológica”. O sistema presidencialista, como foi colocado, exige como meio de sustentação a criação da chamada “base aliada”; por sua vez, a maioria dos partidos que a formam, estão buscando os benefícios das verbas e o grande número de cargos nos vários escalões da estrutura burocrática do Estado. Analisando a atual conjuntura partidária brasileira constituída ao longo dos últimos anos, temos esses partidos da chamada “base aliada” numa “faixa móvel” de centro, definindo o apoio e a forma de competição do “projeto de governabilidade”, que se confunde muitas vezes com um projeto manutenção do poder a longo prazo, diluindo a perspectiva ideológica e direcionando para um pragmatismo fisiológico dos partidos, influenciando diretamente na sistematização de governo e na ineficiência das políticas públicas, em detrimento aos reais interesses da população.

Uma particularidade que considero muito presente no Legislativo Brasileiro, que acentua essa fragmentação político-partidária, é a atuação direcionada das “bancadas”; como exemplo podemos citar a “evangélica” e a “ruralista”, que atuam de modo contundente e eficiente; essas bancadas se organizam e determinam apoio em troca de interesses corporativos e, apesar de não serem majoritárias, exercem uma forte influência nas esferas do Executivo, pois se colocam muitas vezes em temas considerados de alto interesse como fiel da balança no processo decisório. Essa fragmentação e esse fisiologismo presente na proliferação de siglas e corporativismos, contribui para ampliar a lacuna e descrédito existente na maioria da população em relação aos partidos, que deveriam atuar como organismos agregadores e delineadores do sistema democrático.

A necessidade de manutenção da base de apoio, formando uma coalizão majoritária e ao mesmo tempo emblemática, transforma o embate e os acordos políticos em jogos de interesses de grupos fechados, que creio influenciar a crise de representação da democracia brasileira. Nesse contexto torna-se muito tênue a fronteira “situação x oposição”, assim como, na mesma proporção, atinge e deteriora a ação dos governos, reféns de partidos e blocos pouco preocupados com a qualidade e efetividade de políticas públicas. O difícil vínculo com essa dinâmica espúria dos partidos afasta o Legislativo de sua verdadeira função como organismo essencial no sistema democrático. Este deveria monitorar o executivo, legislar e servir de elo junto a esfera Executiva para a efetivação de soluções às demandas da população. Determinando inexoravelmente a formação e a qualidade dos Governos de maneira nefasta, o multipartidarismo, da forma como se estabeleceu, gera o descrédito e a insatisfação, expressados nas ondas de protestos que varreram o Brasil no ano passado.

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