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Receita para se destruir um grande amor

Assim, meio de repente,
(quase sem perceber)
o olhar se tornou vazio,
a palavra se tornou falsa,
o riso se tornou frio,
o desejo se tornou casto,
o afeto se tornou vago.

Mera aparência.
Coincidência acidental
de tantas meias verdades,
de tantas mentiras inteiras.

Até que se esforçaram,

de alguma forma.
O problema é que somente formas
não sustentam afetos.
É preciso núcleo, conteúdo,
curso, decurso, recurso.

Formou-se assim,

(dessa inconsistente massa)

um enorme vazio,
uma vivência alheia,
uma presença fria,
sem zelo, sem elo,
sem halo, sem tato.

Até que tentaram estabelecer
alguma forma de contato;
mas a falta de sentidos foi tanta
que ficou mais visível ainda
a efetividade da insensibilidade.
O tempo, então, se tornou passatempo:
horizonte insipido, inodoro, incolor.

Cosmo carente de Eros.
Homogeneidade cosmética.

Se arrastaram numa desistência mútua.
Mantiveram um arremedo de relação,
sustentada apenas pela convenção social.

Viviam,
(sem perceber é verdade)
sob uma estrutura já
cambaleante e corrompida.
(havia, visivelmente,
uma latente dificuldade
em reconhecer e recolher
os próprios escombros)

Restou então,
(dos restos de poucas pretensões)
somente uma agonia
rala, rasa, escassa.

Perderam a necessidade de futuro.







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