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A Poética da Indiferença em “5 peças” do Grupo Z.

A montagem “4 Intérpretes para 5 peças” do Grupo Z de Teatro, desperta espasmos e inquietações involuntárias na assistência. Em tempos de modelação e conformação corpórea, que se refletem na proriferação de academias de ginástica, cosméticos, anabolizantes, etc., é incomodo assistir de modo tão visceral ao autofragelo de corpos vigorosos em movimentos ginásticos, contrapostos a um jogo de indiferença afetiva e atrofiamento reflexivo diante do mundo.

O teatro por sua dimensão de desocultar e ampliar o sentido da vida, como diria Heidegguer, é uma das “moradas do ser”; e é tanto mais sublime quando - como no Oráculo – aponta sem dizer o que é. Mas para se retirar do emaranhado da vida a neblina da superficialidade e do embotamento existencial e transformá-los estéticamente nesse inquietante jogo transcendente de reconhecimento, é necessário mais que visão periférica e vontade: é preciso trabalho, dedicação, entrega. E isso vê-se claramente no Grupo Z; eles não brincam de fazer teatro. Não se chega na dimensão expressiva vista nesta montagem com encontros fortuítos de finais de semana. Como é bom - apesar da estupidez endêmica de nossos gestores públicos em relação à cultura local - presenciar cuidado, zelo e suor com o fazer artístico.

O Grupo Z desenvolve, com força de entrega descomunal, um relato poético e contraditório da indiferença, a partir do niilismo existencial que brota de formas e desejos exteriores ao indivíduo. Na busca neurótica do vigor físico e sexual as pessoas mostram sua fragilidade afetiva e pobreza de mundo. A necessidade de “parecer forte” se impõe como imperativo de vida e, com a assimilação de exercícios, métodos e frases repetidas, se desenvolve uma economia comunicativa evasiva e desagregada. A pseudovirilidade, externalizada nos gestuais mecanizados, não se traduz em dimensões afetivas. Se configura - no afã das aparências - em um universo vazio de Eros, ou seja, um cosmo cosmético.

Notamos no entrelaçar do espetáculo - onde os diversos “módulos” da peça não facilitam qualquer tentativa de “encaixe” imediato - esse homem indiferente e abandonado. O arquétipo de Jó é singular nessa perspectiva. Como o homem, tão “fiel” em sua conduta, sente a mão vil da indiferença? A fidelidade aos modelos de perfeição, atualizados no "Deus Consumo", não deveriam reter esse espectro de felicidade e realização supremas? Diante do inexorável abandono se buscará então, como ajuizamento compensatório, a misericórdia e a piedade de afetos e beijos fortuítos no momento final? Essas são algumas das questões que poderemos ou não nos dispor a responder, mas que estão colocadas neste exercício de indiferença existencial proposto, poéticamente, pelo Grupo Z.


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