Transponho do papel manuscrito para o plasma
um poema ainda em estado liquido.
Instável, frágil e torto.
Ele não possui ainda a consistência
esperada ao ser lançado à tela,
onde ganhará uma forma e uma métrica
impostas pelo suporte digital.
Por outro lado possui
-antes de ser digitado -
um movimento, uma tensão,
um frêmito pulsar dos dedos,
que serão impossíveis de serem
transladados para a tela.
Será que ele ganha?
Será que ele perde?
Será que é indiferente?
Tenho aqui um tema?
Tenho aqui uma trama?
Tenho aqui um trauma?
Há um vigor do tema
que dispara o poema,
Um entrelaçamento de sentidos
esboça a trama,
que mais tarde se desenrola
(ou muitas vezes enrola)
em gestos rápidos e imprecisos;
o corpo se emaranha no estorvo
dos signos escritos para depois, quem sabe,
se conformar,
se reformar,
se deformar,
se transformar.
E assim,
dilatar em infinitas possibilidades,
o parco, rígido e consistente aparecer do real.
Mas podemos inferir que temos
aí um trauma da perda desse movimento
e presenças carnais que,
no cristal liquido, se esvai.
Mas será que se perde algo mesmo?
Será que o sentido expresso das palavras
não são suficientes para trazer toda
humanidade, toda carnicidade e gestual
que o poema genealogicamente trás
em seu corpo lingüístico?
Creio talvez que sim.
Talvez seja essa uma pseudoquestão,
um mero e infantil capricho de um poeta
- já um tanto anacrônico -
que vê humanidade demais em tudo.
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