Pular para o conteúdo principal

A Masmorra Cultural de Paulo Hartung

O ex-governador Hartung é um homem fechado; é um homem duro; em suma, é um homem de masmorras. E apesar de toda massificação propagandista feita - a expensas do erário público – para elevar sua figura ao estatuto de um estadista, creio que ele será lembrado no futuro por seu estilo masmorrento, que terá seu símbolo máximo com a edificação do “CAIS DAS ARTES”, um projeto personalista, faraônico e dispendioso que será erguido em detrimento às reais e urgentes necessidades da população e do fragilizado setor cultural do Espírito Santo.

Hartung mantém viva a velha concepção centralizadora e onipotente que caracteriza a política oligárquica que muitos pensavam ultrapassada e enterrada. Ele - que no passado se arvorou como líder estudantil de esquerda - mostrou no decorrer desses últimos oito anos sua verdadeira e ortodoxa genealogia, fincada nos mais fiéis princípios do coronelismo. O que estamos identificando aqui, é que o famigerado caso das cadeias metálicas comparadas com masmorras medievais, denunciadas por organismos de defesa dos direitos humanos em Genebra, caracterizam o modo próprio de ser do rebento de Guaçui, guiando suas masmorrentas práticas políticas. A idiossincrasia Hartunguiana repete um modelo de relação política personalista e arcaica, que mutila, avilta e impede o crescimento da produção artística-cultural do Espírito Santo.
Podemos citar vários fatos que identificam esse “ethos masmorrístico”, consagrado em seus oito anos como mandatário; o Conselho Estadual de Cultura só foi concebido no segundo período do seu mandato e por pressão da política do Sistema Nacional de Cultura do Governo Federal, e não passou de mera instituição cosmética, sem qualquer poder de influenciar nas políticas públicas de cultura. A ex-secretária de Cultura Sra. Dayse Lemos - além da predileção por vestidos amarelo-ovo - tinha a habilidade de restringir e impedir a atuação do Conselho de Estadual na efetivação das políticas culturais, colocando-o a parte das discussões das ações de fomento e destinação das verbas públicas para o setor. Como exemplos podemos citar: a construção a custos estratosféricos desse famigerado “Cais das Artes”, o caquético edital do Fundo Estadual de Cultura e a estranha monopolização das verbas da maioria das ações culturais do Estado para o estrangeiro e incipiente Instituto SINCADES, instituição precocemente fundada e ligada ao setor do comércio varejista; isto tudo caracteriza uma contundentemente afronta e descumprimento da Constituição Estadual, que em seu artigo 184 diz: “Será assegurada, na forma da Lei, a participação da sociedade civil na formulação da política estadual de cultura.”

Essa insólita e célere terceirização da cultura através desse famigerado Instituto SINCADES, ignorando totalmente a representatividade da sociedade civil no Conselho Estadual de Cultura, parece ser um caso único no Brasil e causa muito estranhamento e perplexidade a todos ligados aos setores produtivos da cultura no Espírito Santo. O Edital de Pontos de Cultura, por exemplo, exige que a instituição tenha dois anos de registro legal e ação comprovada de sua proposta cultural, mas o engatinhante e varejista SINCADES – com menos de um ano de fundação - conseguiu abocanhar valores muito mais vultosos que os destinados aos pontos de cultura; dinheiro que foi aplicado, na sua maioria, em exposições requentadas cujo montante - se fosse aplicado na produção cultural local - poderia dar início a uma verdadeira revolução social neste estado, promovendo a distribuição de renda, diminuição da violência, ampla produção artística e acesso de um número infinitamente maior da população ao fazer artístico, sendo este “fazer” relacionado à história e expressão do seu povo; além disso contribuiria com o desenvolvimento e afirmação da cultura do Espírito Santo, que detém a sexta economia do país mas, em termos de produção e projeção artístico-cultural no contexto nacional, está muito longe deste parâmetro.

Sobre a questão da violência em nosso Estado, existe o fato curioso que o atual secretário de Segurança Sr. Henrique Herkenhoff, prá justificar a inoperância e ineficiência da política de segurança pública, atribuiu a uma gênese cultural violenta e assassina - uma espécie de “ethos charlesbronsístico” – comum aos capixabas, que seria a causa fundamental dos altíssimos índices de violência em nosso Estado. O Sr. Herkenhoff, na contramão de organismos federais que identificam e propõem ações a vários bolsões de pobreza em nosso estado - principalmente na região da grande Vitória - não enxerga muita contribuição do descaso do poder público na efetivação desses amontoados humanos surgidos a partir de uma visão econômica industrial desenvolvimentista, mas sim a esta dimensão “matar ou morrer” que, segundo o digníssimo secretário, é inata aos que nascem em terras capixabas. Será que, por exemplo, aqueles 259 milhões do FUNDEP que não foram repassados pelo Governo Hartung à educação – conforme noticiou em sua primeira página o Jornal “O Globo” e estranhamente passou à margem na mídia local – não poderiam contribuir para diminuir os índices de violência ou até mesmo, aceitando a tese esdrúxula do atual Secretário de Segurança, aplacar a fúria indomável e faroerística que segundo sua análise caracteriza o povo Capixaba?

Esses e outros fatos indicam que - para nossa desgraça e flagelo - esse modus operandi masmorrístico continuará a ser o diapasão da gestão atual e terá plena continuidade. Podemos citar como outro exemplo o fato da Sra. Lemos já está estrategicamente posicionada na Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger) para comandar a construção do nababesco “Cais das Artes” que, pelo valor total orçado, custará mais de cinco vezes o preço de mercado para o metro quadrado construído; não tivemos acesso as planilhas que devem explicitar e justificar os elevados custos desta obra, mas presumimos que pelo valor de cerca de 130 milhões de reais, esse prédio tem inspiração nos palácios das fábulas das mil e uma noite.

Enquanto se caminha para construção do colossal monumento ao ego da família real Hartung - que argumentam possibilitará a pseudo-elite capixaba ter acesso à “cultura elevada e de bom gosto” - o mestre Jorginho do Jongo de Presidente Kennedy continuará sem local para ensaio, a quadra da Banda de Congo Santa Izabel em Roda Água continuará com infiltrações e goteiras, prédios históricos desmoronando, teatros de menor porte serão demolidos, escolas públicas do estado continuarão sem espaços para atividades culturais ...

Para não haver qualquer mudança nesse asfixiante e pragmático modelo, será mantida na Secretaria Estadual de Cultura a mesma camarilha da gestão anterior, tendo como guardião mor o Sr. Erlon Paschoal - uma espécie de Golbery da cultura local - postado como um Cérbero na porta do Hades para defender a nefasta e masmorrificante política cultural consagrada pelo poderoso e indevassável Senhor de Todos os Destinos Hartung. Assim, o novo Secretário de Cultura Frei Paulo vai conhecer o inferno sem precisar sair do corpo; mas esperemos sempre que um milagre venha a acontecer e que ele consiga ressuscitar ao terceiro dia.

“A masmorra cresce e humilha: ai daquele que tentar rompe-la!”. (PH – Primeiro e Único)

Comentários

Como é bom ouvir um grito contra o que nos oprime!!

Postagens mais visitadas deste blog

Angústia, Desespero e Desamparo no Existencialismo de Sartre

No ensaio “O Existencialismo é um Humanismo ” o filósofo Jean-Paul Sartre busca esclarecer e  fazer uma defesa - enfatizando seus principais pressupostos - de sua proposta existencialista exposta na obra “ O Ser e o Nada ”, que foi duramente atacada tanto pela ortodoxia cristã, como pelo fundamentalismo ateu-marxista. Os cristãos o acusam de - ao negar a essência divina como fundante do humano – promover uma visão gratuita, sórdida e angustiada da vida, esquecendo das belezas do viver, ou, em suas palavras, abandonando “o sorriso da criança”. Já os marxistas indicam que Sartre propõe uma espécie de “imobilismo do desespero” , onde o fechamento das possibilidades da ação solidária consolidaria uma filosofia de caráter contemplativo, de fundo burguês. Os dois lados, segundo Sartre, partilham da certeza de que o Existencialismo, por ter sido gerado tendo como base o subjetivismo Cartesiano, promove o isolacionismo humano, se configurando então como uma doutrina sem ética e que promoveria

Berimbau 2 x O Acadêmico

Em maio último Antonio Dantas, coordenador do curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ao tentar justificar o baixo conceito alcançado no ENADE, afirmou que isto é devido “ao baiano tem baixo Q.I”. Afirmou ainda categoricamente que “o berimbau é um instrumento prá quem tem poucos neurônios , pois possui somente uma corda .” A retórica empolada e cientificista de Dantas é um recurso largamente utilizado em nossos dias para justificar e explicar fatos e fenômenos em geral; e por força ideológica e midiática, ganha comumente contorno de verdade absoluta e inquestionável. A fala do Dr. Coordenador revela um ranço de pureza étnica vigente em nossa “elite”, que ainda determina os rumos do país e mantém firme nosso aviltante quadro de desigualdade e segregação social. O “especialista” é o maior porta voz e defensor da estrutura dominante. Mas o que mais pode estar na raiz desse discurso? Para tentar entender um pouco mais claramente essa questão, deixaremos de lado

O que é isso, o Brincante?

Considera-se o artista Brincante como um legítimo representante da “cultura popular”. A separação entre “cultura” e “cultura popular” é algo que cristaliza vários preconceitos. Distingue a última como um tipo de “fazer” desprovido de um “saber”, ou uma coisa “velha”, fruto da “tradição”, resíduo de uma gente em extinção. O termo “cultura popular” direciona para o passado, para um espaço perdido, para uma ruína que ainda resiste diante do fim inexorável. Já o que designa “cultura” - em contraposição a sua designação como “popular” - aponta para um saber atualizado, abarrotado de conhecimento comprovado e necessário; nessa acepção estamos “antenados com o presente” e “preparados para o futuro”. Na maioria das vezes quando ouvimos dizer que “fulano tem muita cultura”, está se referindo a alguém que adquiriu títulos, escreveu livros ou possui notoriedade por sua “produção intelectual”. Não se trata aqui de uma “cultura qualquer” que se apreende ordinariamente no meio da rua. Esse “suj