A Filosofia ao longo de sua história, institui-se como um saber superior visando indagar e elucidar a verdade absoluta, a essência primeira, ou ainda - ao se transvestir em epistemologia - dignificar possibilidades e limites para o conhecimento. Em sua busca essencialista, as teorias ou doutrinas filosóficas, elegeram como uma espécie de “lixo a ser removido” o que se determina como “senso comum” ou “opinião pública”.
Afastada do ensino fundamental, a filosofia se vê agora obrigada a restabelecer um diálogo em que o discurso rebuscado e empolado, se determina como um obstáculo a ser transposto. O reconhecimento do universo do outro como digno e dignificante se apresenta agora como fundamental para se estabelecer uma relação e um encontro. Mas para isso faz-se necessário uma autorreflexão dos responsáveis pelo exercício filosófico para se situarem dentro do contexto próprio em que estão imersos, questionando a aura de “livre pensamento” em que está envolta a filosofia.
Tendo como referências Eric From, Herbert Marcuse e Karl Marx – temos uma abordagem que coloca a questão do “senso comum” ou “opinião pública” como digna de ser estudada e levada em consideração, pois é por trás desta máscara de neutralidade que se determinaria a dominação ideológica do capitalismo vigente.
Eric From, por exemplo, contesta a utilização genérica e absoluta do conceito de “democracia plena”, dizendo que o que realmente temo é uma “democracia burguesa”, que na verdade é um sistema doutrinário e autoritário, camuflado de senso comum, ciência, saúde mental, normalidade, lógica de mercado, opinião pública, etc. Temos então sutilmente instalada em vez de uma “autoridade ostensiva” uma “autoridade anônima”, que se propaga pela cumplicidade dos especialistas de plantão e dos meios de comunicação de massa.
Temos então a educação, definida metódica e objetivamente como construtora do “sujeito do conhecimento”, como um dos pilares de disseminação e exacerbação do poderio ideológico do “senso comum”.
Nosso modelo educacional instituído a partir dos ditames do capitalismo, busca formatar e construir esse “sujeito” adestrado e condicionado para aceitação e constituição dos princípios de normalidade instituídos pela metafísica da globalização e pela apologia do livre mercado. Apoiada firmemente pelo cientificismo e sua objetivação numérica, a educação serve como “régua e compasso” para preparar e reproduzir os “sujeitos do conhecimento” que servirão como entidades mantenedoras da ordem da autoridade vigente. Temos, para ilustrar essa citação de From:
"(...) a autoridade anônima é mais eficaz do que a ostensiva, porquanto nunca de desconfie de que haja uma ordem que a hipótese deve-se obedecer. Na autoridade externa, está claro que há uma ordem e quem a dá; pode-se lutar contra a autoridade, e, nesta luta, desenvolve-se a independência e a coragem moral. Mas ao passo que na autoridade interiorizada o comando, se bem que interno continua visível, na autoridade anônima tanto o comando quando o mandante tornaram-se invisíveis. É como se a gente fosse alvejado por um inimigo invisível: não há nada nem ninguém contra quem se possa reagir." [1] (FROM, 1964:143)
Temos com isso, que a propagada “liberdade de pensamento” de que está eivada a filosofia, seria – como diz o senso comum – conversa pra boi dormir. Não podemos nos furtar como “arautos da filosofia” de refletir sobre está condição em que estamos imersos ao nos colocarmos como professores dentro de um sistema educacional que serve a um regime econômico que - para Marcuse - se assemelha ao nazismo e ao fascismo. Sob a imparcial linguagem técnico-econômica temos a justificativa de um modelo que aliena a produção material e intelectual das pessoas, levando-as ao isolamento, ao consumismo e à exacerbação do individualismo, com a consequente perda do sentido de coletividade e liberdade.
Essa dominação pelo modelo técnico-cientificista, corrobora com a doutrina desenvolvimentista, pseudo-progressista, pois, junto ao crescimento do capital e dos lucros, temos à reboque a destruição do planeta, o crescimento da desigualdade e a consolidação da miséria para maioria da população. É dentro desse âmbito que se depara a filosofia nas escolas de ensino fundamental.
Dar pouca dignificação ou importância o que temos como “senso comum”, é não refletir a condição primeira do solo da onde devemos partir e estabelecer nossas escolhas e posturas como cidadãos. Desprezar essa relação de poder instituída seria negar a própria constituição da filosofia, não como busca de essências transcendentais, mas como pensamento do que fundamento e sua humanidade: sua constituição ética fundada na coletividade.
Por último achamos como relevante colocar a citação de Marcuse, que consideramos como profundamente esclarecedora dos mecanismos de ideologização e dominação impostas pelo modelo econômico capitalista:
"O progresso técnico, levado a todo um sistema de dominação e coordenação, cria formas de vida (e de poder) que parece reconciliar as forças que se opõem ao sistema e rejeitar ou refutar todo protesto em nome de perspectivas históricas de liberdade de labuta e de dominação. A sociedade contemporânea parece capaz de conter a social-transformação qualitativa que estabelecia instituições essencialmente diferentes, uma nova direção dos processos produtivos, novas formas de existência humana. Essa contenção da transformação é, talvez, a mais singular realização da sociedade industrial desenvolvida; a aceitação geral do Propósito Nacional, a política bipartidária, o declínio do pluralismo, o conluio dos negócios com o trabalho no seio do Estado forte testemunham a integração dos oponentes, que é tanto o resultado como o requisito da realização." (MARCUSE, 1982:15-6).
Comentários
É o lance do Gadamer: certos preconceitos ("senso comum")são fundamentais, constituidores de mundo; são história!
Sobre o lance da opinião pública, do anonimato também cabem: 1984 (orwell) e A Alma do Homem sob o Socialismo, um ensaio curtinho do Oscar Wylde sobre a Inglaterra Vitoriana. Recomendo, mané!
grande abraço, tem novidades lá em casa também! aehuieauheaueae