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Salgado regado à lama


Diante das críticas do posicionamento de Sebastião Salgado diante da tragédia causada pela Samarco/Vale em Mariana/MG, há opiniões sustentando que estão jogando a “reputação” do fotógrafo no lixo injustamente. Aristóteles já avisava que ética não é tarefa de um dia só, mas de toda vida. Salgado construiu sua imagem de bom samaritano humanista ao fotografar refugiados, desalojados e desvalidos, provocando indignação e repulsa aos que viam seus registros.
Mas, nota-se - para quem tem olhos de ver - que sua postura é completamente diferente em relação à tragédia criminosa brasileira promovida pela ganância, irresponsabilidade e negligência da Samarco/Vale. Esta empresa, amiúde, é financiadora dos projetos do fotógrafo que - no jargão publicitário - "agregam à marca um capital ético", de responsabilidade e sustentabilidade social, coisa que vemos, agora, ser somente um engodo mesmo.
O que vemos e não poderíamos deixar de ver - já que a imagem é clara e colorida - é que Salgado possui lentes diferentes para perceber quadros semelhantes. E como, por “coincidência”, sua empresa de "recuperação ambiental" é bancada paradoxalmente por uma outra empresa que explora e destrói esse mesmo "meio ambiente", não há como separar a sua visão defensiva e complacente com a Samarco/Vale dos favores financeiros que recebe para promover e manter sua empresa de Terceiro Setor.
O problema com Sebastião Salgado, como já disse, é que ele construiu sua imagem como homem público ao revelar o sofrimento, abandono e miséria pelo mundo afora; os seres humanos retratados por ele são vítimas desse mesmo modelo de exploração colonialista e predatório que a Vale promove no Brasil e que culminou nessa tragédia. Como poderia, então, se filiar a uma empresa que gera isso que ele - tão brilhante e dedicadamente - denunciou? Como poderia, então, não se indignar diante dos miseráveis e desalojados por este crime? Como poderia, então, se posicionar tão doce e docilmente sobre esse crime descomunal? Como poderia, então, diante disso tudo, deixar ele de ser "Sebastião Salgado"?
Por isso é que não somos nós, ao criticá-lo, que estamos "jogando sua reputação no lixo": é ele mesmo que esta fazendo isso; bem hipocritamente, diga-se de passagem. Para aceitarmos, desta forma, a conduta de Salgado e defendê-lo dos ataques à sua "reputação" teríamos que ser, considero, no mínimo ingênuos.

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